Conheça diferenças entre a Depressão e o estado de Melancolia – Marcos Munhoz


Melancolia deve ser encarada como o estágio mais extremo da
depressão. 
Medicamentos não devem ser encarados como a única
alternativa para o tratamento.
O cineasta dinamarquês Lars von Trier trouxe à cena a
melancolia, que estava escondida num canto escuro da casa, encoberta pelo termo
médico “depressão”.
Seu novo filme é um retrato desse estado de ânimo em todos
os aspectos: dos psiquiátricos (sintomas da depressão) aos filosóficos (a
tristeza como consciência da solidão humana no universo). 
O tema está na ordem do dia, afirma o psicólogo Marco
Antônio Rotta Teixeira, que faz sua tese sobre melancolia e depressão na
tradição do pensamento ocidental.
“Mas a melancolia vem sendo falada com a roupa da
depressão.” O atual conceito médico da depressão usa dados mensuráveis
para definir esse estado, como tempo de duração de sintomas. 
Para a psicanálise, a melancolia é o estágio mais extremo da
depressão. A apatia do melancólico é fruto da perda de algo ou de alguém, que
precisa ser compreendida e superada, em um processo semelhante ao do luto.
A diferença é que, enquanto no luto a perda é compreendida,
na melancolia ela é inconsciente: não se sabe o que foi perdido. “Nada
atrai o melancólico, a não ser o próprio sofrimento. Ele está absorvido nele
mesmo”, diz Sandra Edler, autora de “Luto e Melancolia: À Sombra do
Espetáculo” (Civilização Brasileira). 
A cultura atual conspira contra o melancólico, diz a
psicanalista. “Se a pessoa perde algo, precisa se recolher, mas a vida a
chama para um eterno desempenho, se não quiser perder espaço.” É o que
pensa, também, a psicóloga Ana Cleide Moreira, autora de “Clínica da
Melancolia” (Escuta). “Se não temos tempo nem de pensar, não
percebemos a perda de algo importante.”


Nesse caso, é mais fácil aliviar o sofrimento com
remédios. “A sociedade não assimila os estados de tristeza. Precisamos
eliminá-los rapidamente para continuar trabalhando”, diz Teixeira. Essa
crítica não significa, ressalta ele, fazer apologia da tristeza ou rejeitar as
chances dadas pela ciência para lidar com ela. “As pessoas falam que há um
aumento dos casos de depressão, mas o que as pesquisas mostram é um aumento na
prescrição de antidepressivos”, diz o psiquiatra Ricardo Moreno, do
Hospital das Clínicas de São Paulo. 
Mas psiquiatras, psicanalistas e psicólogos concordam que
drogas têm um papel importante. “Muitas vezes é necessário tratar a
melancolia com remédios. Sem eles, alguns não conseguem nem chegar ao
consultório”, diz a psicanalista Sandra Edler.

Temperamento e gênios No
filme de Trier, as referências aos sintomas de depressão são explícitas. Como
na cena em que Justine (personagem baseada na experiência pessoal do cineasta)
não consegue nem entrar no banho. Os clichês usados para abarcar a tristeza
profunda também estão lá: noite, lua, sombras, noiva. É a retomada da concepção
de melancolia como algo que tem uma manifestação doentia (a depressão), mas não
é só isso, não pode ser explicado só pela ciência e transcende o indivíduo.
Mesmo sem dizer seu nome, as pessoas reconhecem o sentimento
de melancolia. Está na hora em que você percebe não fazer parte da festa, no
banzo da noite de domingo, na lembrança da morte. “A melancolia ganhou
diferentes definições na história e até hoje é assim, dependendo de quem fala
dela” diz Teixeira. 
Hipócrates (460-377 a.C.) a definiu como doença causada por
acúmulo da bile negra, que resultaria no temperamento melancólico. O vocábulo vem
do grego “melas” (negro) e “kholé” (bile). O filósofo
Aristóteles (384-322 a.C.) levou o conceito para outro plano: a melancolia era
uma característica da genialidade, associada ao conhecimento e à
intelectualidade.
 O professor e crítico de arte Rodrigo Naves lembra que
a associação entre genialidade e melancolia é de uma época em que o conceito de
individualidade não existia. “A melancolia era uma deusa, que regia as
artes liberais. Nessa noção, a pessoa é preenchida por algo que vem de fora, é
regida por entidades, planetas”, diz Naves. 
Na mitologia e na astrologia, é Saturno, deus do tempo, que
devora seus filhos, que traz a morte. No filme de Trier, é o planeta que vem
acabar com o mundo.
 “A grande ideia
da melancolia é justamente a de embaralhar as fronteiras entre dois
temperamentos que parecem opostos: o da pessoa deprimida e o da pessoa
criativa”, diz Frédéric René Guy Petitdemange, professor de História da
Arte da Universidade Anhembi Morumbi.
 
Na semana passada, Petitdemange deu uma aula sobre a iconografia
da melancolia na artedo Ocidente, baseada em uma exposição sobre esse tema
realizada em Paris e Berlim, em 2006.

Para ele, a essência da melancolia -tristeza profunda ligada
ao sentimento de vazio, à perda e à impossibilidade de encontrar sentido nos
rituais sociais- não mudou. “A maneira de se discutir o tema pode mudar,
mas são questões universais.” 

Psicóloga Ana Amorim de Farias

CRP 06/39859-9

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