DÉBORAH DE PAULA SOUZA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A terapia pela palavra está em pleno desenvolvimento no Brasil, na
avaliação de Plinio Luiz Kouznetz Montagna, diretor-presidente da Sociedade Brasileira
de Psicanálise de São Paulo. Nesta entrevista, ele diz que o maior desafio da
psicanálise, hoje, são as fobias, a síndrome do pânico e outros
“transtornos narcísicos”
avaliação de Plinio Luiz Kouznetz Montagna, diretor-presidente da Sociedade Brasileira
de Psicanálise de São Paulo. Nesta entrevista, ele diz que o maior desafio da
psicanálise, hoje, são as fobias, a síndrome do pânico e outros
“transtornos narcísicos”
Folha – Como o senhor define a psicanálise hoje?
Plinio Luiz Kouznetz Montagna – Ela atua em vertentes interligadas: é
tratamento clínico; método de pesquisa sobre o ser humano e teoria do
funcionamento da mente que permite generalizações. Ocorre que pensar a clínica
permite pensar a cultura e essa conexão com artes e filosofia se mantém. É um
campo de saber em desenvolvimento, não está fechada, progride com fluxos e
refluxos. Na IPA convivem 12 mil psicanalistas do mundo, de tendências
diferentes.
tratamento clínico; método de pesquisa sobre o ser humano e teoria do
funcionamento da mente que permite generalizações. Ocorre que pensar a clínica
permite pensar a cultura e essa conexão com artes e filosofia se mantém. É um
campo de saber em desenvolvimento, não está fechada, progride com fluxos e
refluxos. Na IPA convivem 12 mil psicanalistas do mundo, de tendências
diferentes.
E muitas divergências, não?
Quando Freud era vivo, era ele quem dizia: isto é e isto não é
psicanálise. Depois que morreu, ficou mais difícil. Enquanto os grandes mestres
do século 20 (Winnicott, Klein, Lacan) estavam vivos, as pessoas seguiam uma
linha. Hoje, a tendência é depurar as contribuições de cada autor e articular
uma conversa entre eles. Não para integrar, pois as diferenças existem mesmo.
Na década de 1980, tantas correntes nos fizeram questionar o que há de comum na
psicanálise. Concordamos sobre três pontos: nosso objeto é o inconsciente; a
importância da transferência e da contratransferência e a noção de que o
passado deve ficar no passado.
psicanálise. Depois que morreu, ficou mais difícil. Enquanto os grandes mestres
do século 20 (Winnicott, Klein, Lacan) estavam vivos, as pessoas seguiam uma
linha. Hoje, a tendência é depurar as contribuições de cada autor e articular
uma conversa entre eles. Não para integrar, pois as diferenças existem mesmo.
Na década de 1980, tantas correntes nos fizeram questionar o que há de comum na
psicanálise. Concordamos sobre três pontos: nosso objeto é o inconsciente; a
importância da transferência e da contratransferência e a noção de que o
passado deve ficar no passado.
Como isso se traduz no consultório?
O que diferencia a psicanálise de outras psicoterapias é o jogo transferencial.
Para produzir uma mudança, o que adianta é fazer o problema emergir aqui e
agora, na relação com o analista, de modo que seja possível trabalhar com ele.
O analista é como uma tela em que o paciente projeta imagens. O complicador é
que o analista não é uma tela em branco. Levamos em conta a
contratransferência, a relação do profissional com seu paciente: inclui as
dificuldades dele, pontos cegos que o impedem de escutar. O trabalho não se
restringe a ouvir o relato, o analista escuta inconsciente.
Para produzir uma mudança, o que adianta é fazer o problema emergir aqui e
agora, na relação com o analista, de modo que seja possível trabalhar com ele.
O analista é como uma tela em que o paciente projeta imagens. O complicador é
que o analista não é uma tela em branco. Levamos em conta a
contratransferência, a relação do profissional com seu paciente: inclui as
dificuldades dele, pontos cegos que o impedem de escutar. O trabalho não se
restringe a ouvir o relato, o analista escuta inconsciente.
O método nasceu como uma cura pela fala. Essa conversa pode ficar muito
racional?
A racionalização não é análise e sim a tentativa de evitá-la. Essa
defesa pode surgir tanto do paciente quanto do analista, porque o contato
emocional gera turbulência. As resistências fazem parte, porém, o cerne da
psicanálise é o encontro, e ele só ocorre quando se vai além das defesas. Por
isso temos de saber manejá-las.
defesa pode surgir tanto do paciente quanto do analista, porque o contato
emocional gera turbulência. As resistências fazem parte, porém, o cerne da
psicanálise é o encontro, e ele só ocorre quando se vai além das defesas. Por
isso temos de saber manejá-las.
E quanto ao passado? Muita gente acha que psicanálise é ficar falando de
traumas da infância.
traumas da infância.
Psicanálise não é “falar sobre”. A transferência é uma espécie
de atualização do passado com o objetivo de permitir que o presente se instale.
A análise permite que o passado fique no passado e a pessoa viva no presente.
Essa é a libertação.
de atualização do passado com o objetivo de permitir que o presente se instale.
A análise permite que o passado fique no passado e a pessoa viva no presente.
Essa é a libertação.
Aqui no Brasil, a psicanálise avança ou recua?
Nos anos 50 e 60 houve implantação e expansão, depois teve um momento em
que as terapias corporais e o psicodrama estavam em destaque. Por um período,
os analistas se recolheram nos consultórios. A clínica continua sendo
fundamental, mas hoje vivemos um florescimento para além dela, um momento de
grande inserção social. Na Sociedade, há grupos ocupados com atendimento à
comunidade, psicanalistas que dão suporte a uma ONG que trabalha com meninos de
rua, sem falar na atuação em hospitais. Os analistas também atuam cada vez mais
no setor jurídico, trabalhando como mediadores e peritos em questões de
família, divórcio, guarda de filhos. E podem contribuir muito graças à visão
global que têm de situações complexas como interdição, brigas, drogadição,
violência doméstica etc.
que as terapias corporais e o psicodrama estavam em destaque. Por um período,
os analistas se recolheram nos consultórios. A clínica continua sendo
fundamental, mas hoje vivemos um florescimento para além dela, um momento de
grande inserção social. Na Sociedade, há grupos ocupados com atendimento à
comunidade, psicanalistas que dão suporte a uma ONG que trabalha com meninos de
rua, sem falar na atuação em hospitais. Os analistas também atuam cada vez mais
no setor jurídico, trabalhando como mediadores e peritos em questões de
família, divórcio, guarda de filhos. E podem contribuir muito graças à visão
global que têm de situações complexas como interdição, brigas, drogadição,
violência doméstica etc.
Como a técnica responde às patologias contemporâneas?
Esse é o grande desafio atual: lidar com fobias, pânico, transtorno
bipolar, borderline, os chamados estados narcísicos. Todas essas patologias têm
em comum o fato de serem estruturas arcaicas [criadas no início da vida, antes
da linguagem e do amadurecimento da psique], ou seja: se instalam antes do
mecanismo de repressão. Na neurose, a repressão já está instalada, existem os
conflitos psíquicos e, nessa etapa, é possível simbolizar o sofrimento. No caso
do pânico, por exemplo, não existe nem esse conflito. Imagine o medo tentando
entrar na mente. Sem a parede da censura para barrá-lo, ele a invade. E, como
na estrutura arcaica não há possibilidade de simbolização, o que costuma
ocorrer são dores e outras manifestações corporais. Os psicanalistas hoje se
debruçam sobre esses fenômenos. A Sociedade tem equipes de estudos de
fibromialgia, dores crônicas, psicossomática. Há membros da Sociedade pesquisando
conexões entre dor física e psíquica.
bipolar, borderline, os chamados estados narcísicos. Todas essas patologias têm
em comum o fato de serem estruturas arcaicas [criadas no início da vida, antes
da linguagem e do amadurecimento da psique], ou seja: se instalam antes do
mecanismo de repressão. Na neurose, a repressão já está instalada, existem os
conflitos psíquicos e, nessa etapa, é possível simbolizar o sofrimento. No caso
do pânico, por exemplo, não existe nem esse conflito. Imagine o medo tentando
entrar na mente. Sem a parede da censura para barrá-lo, ele a invade. E, como
na estrutura arcaica não há possibilidade de simbolização, o que costuma
ocorrer são dores e outras manifestações corporais. Os psicanalistas hoje se
debruçam sobre esses fenômenos. A Sociedade tem equipes de estudos de
fibromialgia, dores crônicas, psicossomática. Há membros da Sociedade pesquisando
conexões entre dor física e psíquica.
O senhor é psicanalista e psiquiatra, e há um embate entre essas áreas.
O que acha da oferta de remédios que prometem alívio rápido?
O que acha da oferta de remédios que prometem alívio rápido?
O avanço da psicofarmacologia permitiu medicações mais eficientes e com
menos efeitos colaterais. Por outro lado, é avassaladora a quantidade de
dinheiro investido na indústria de remédios, não só no desenvolvimento
científico, e sim na propaganda. A promessa de ªfelicidade químicaº surgiu na
década de 80, com o Prozac. Foi questão de tempo para todos descobrirem que não
existe pílula de felicidade. Aliás, a psicanálise também não traz felicidade.
Nem promete. A psiquiatria clássica perdeu o contato com o ser humano, tenta
encaixá-lo numa lista de sintomas pré-estabelecidos. O resultado é que muitos
psiquiatras diagnosticam a tristeza como depressão. Isso é um desvio, não é o
caso de se medicalizar tudo.
menos efeitos colaterais. Por outro lado, é avassaladora a quantidade de
dinheiro investido na indústria de remédios, não só no desenvolvimento
científico, e sim na propaganda. A promessa de ªfelicidade químicaº surgiu na
década de 80, com o Prozac. Foi questão de tempo para todos descobrirem que não
existe pílula de felicidade. Aliás, a psicanálise também não traz felicidade.
Nem promete. A psiquiatria clássica perdeu o contato com o ser humano, tenta
encaixá-lo numa lista de sintomas pré-estabelecidos. O resultado é que muitos
psiquiatras diagnosticam a tristeza como depressão. Isso é um desvio, não é o
caso de se medicalizar tudo.
É possível medir os resultados de uma análise?
A psicanálise promove transformações significativas. Existe um grupo em
Boston que está pesquisando mudanças psíquicas. Esse grupo estudou pessoas que
consideravam que suas análises tinham sido bem-sucedidas. Elas destacaram a
vivência de uma comunicação profunda com seus analistas e “insights”
que alteraram a percepção de si e das situações. Comparo os
“insights” da análise ao sistema olfativo: sentir um aroma novo não
significa só adicioná-lo ao repertório conhecido, e sim alterar o circuito de
tal modo que, a partir daí, o próximo odor será recebido de forma diferente,
porque toda a estrutura do arquivo foi modificada.
Boston que está pesquisando mudanças psíquicas. Esse grupo estudou pessoas que
consideravam que suas análises tinham sido bem-sucedidas. Elas destacaram a
vivência de uma comunicação profunda com seus analistas e “insights”
que alteraram a percepção de si e das situações. Comparo os
“insights” da análise ao sistema olfativo: sentir um aroma novo não
significa só adicioná-lo ao repertório conhecido, e sim alterar o circuito de
tal modo que, a partir daí, o próximo odor será recebido de forma diferente,
porque toda a estrutura do arquivo foi modificada.
Por que a profissão não é reconhecida pelo Ministério da Educação?
Na década de 50, foi oferecido à SBPSP a possibilidade de se oficializar a
profissão e a formação, mas esse caminho não foi adotado. Na minha opinião, por
um erro de cálculo, mas nem todos concordam comigo. Muitos acham que não é o
Estado que tem que reconhecer nossa profissão, e sim as próprias instituições
psicanalíticas. DÉBORAH DE PAULA SOUZA é jornalista com formação em
psicanálise
fonte:http://folha.com/no981118
Na década de 50, foi oferecido à SBPSP a possibilidade de se oficializar a
profissão e a formação, mas esse caminho não foi adotado. Na minha opinião, por
um erro de cálculo, mas nem todos concordam comigo. Muitos acham que não é o
Estado que tem que reconhecer nossa profissão, e sim as próprias instituições
psicanalíticas. DÉBORAH DE PAULA SOUZA é jornalista com formação em
psicanálise
fonte:http://folha.com/no981118