Depressão, luto e melancolia (Parte II) – Lambotte e o Discurso Melancólico





LAMBOTTE E O DISCURSO MELANCÓLICO

Outra autora que pensa a melancolia de maneira aprofundada é Marie-Claude Lambotte. Na obra O discurso melancólico, Lambotte (1997) oferece um rico universo de reflexão sobre as complexidades melancólicas relacionadas ao campo do narcisismo. A autora aponta para uma relação peculiar na formação da imagem de si do melancólico, o qual seria incapaz de aceder a um estatuto de preenchimento ideacional narcísico, característico dos pacientes neuróticos.
Em outras palavras, Lambotte demonstra que o trauma, situado num momento pré-especular, introduz uma condição a partir da qual não ocorre um sentimento de existência de si. Para Lambotte, esta configuração caracteriza-se como um “desmentido de existência” no campo do sujeito. A mãe fracassa em seu investimento, e não mantém para o mesmo a subjetivação de sua própria existência. Segundo a autora, o olhar da mãe não atingiu o sujeito ao ponto de este forjar para si uma autoimagem capaz de desfrutar de um amor de si de tipo jubilatório.
Nesses termos, se a autodepreciação parece ser uma das mais importantes características do discurso melancólico, Lambotte dirá que esta se apresenta apenas como problema secundário. A autora aponta que a incerteza de si só poderá ser ultrapassada se for substituída por um desvelamento absoluto do enigma da morte; elemento utilizado constantemente pelo melancólico para sustentar sua própria referência discursiva.
A morte é uma referência central do discurso melancólico, o qual passa a girar em torno da crueza das coisas e da crueldade da finitude. Esses sujeitos postulam a si mesmos como detentores fiéis da verdade trágica da morte, tornando-se dela seus maiores aliados. Atiram-se vertiginosamente em direção a ela como que numa apropriação radical da verdade, da qual os outros seres humanos tentam desviar-se em suas “inúteis ilusões”.
A certeza de sua miserabilidade, revestida de autotirania e culpabilidade, aponta em última instância – e esta é uma das mais importantes constatações de Lambotte – para uma busca das origens de si mesmo jamais encontrada. Nessa circunstância, o sujeito, atirado ao limbo de sua própria existência, não se reconhece nem atribui a si algo de consistente. Nesses casos, Lambotte (1997: 157) afirma que: “[…] aquém da autodepreciação tão frequentemente designada como uma das características essenciais da atitude melancólica, é a questão das origens que a acossa permanentemente, como o desconhecido de uma equação para a qual se tentaria achar as variáveis pertinentes”.
A autora trabalha com a hipótese de que a aniquilação de si está diretamente relacionada a problemas na própria constituição do narcisismo em função de o olhar do outro (mãe) não ter preenchido a circunscrição imaginária do corpo. A mãe aparece no discurso melancólico quase sempre como toda-potente, objeto absoluto que, com seu olhar, circunscreve a silhueta corporal da criança, emprestando a ela a possibilidade de formação de um esquema corporal. Este esquema, contudo, é desinvestido da libido que lhe poderia garantir um preenchimento narcísico e um sentimento positivado de existência no discurso do outro. Nessa perspectiva, a mãe, toda-potente, lançaria sobre a criança um discurso sem atribuições ou investimentos, asseverando apenas uma existência pontual e descontínua, o que constitui o cerne do trauma e da ambivalência melancólica.
O olhar materno não circunscreve o que viria a ser um futuro sujeito, produzindo, por outro lado, uma deserção de desejo (Lambotte, 2001). Desejo do Outro que, desertado, não inclui o sujeito na dinâmica da pluralidade identificatória, isto o levando a um vazio sem precedentes, que caracteriza precisamente uma identificação ao nada (cf. Lambotte, 2001).
Com efeito, na melancolia o eu não se precipita mediante a ilusão de sua própria onipotência. Se há onipotência na melancolia, esta se configura por um discurso enquistado, clivado. O discurso onipotente do outro assume uma configuração negativizada, produzindo um sujeito identificado ao nada. O sentido da onipotência fica enquistado, isolado de qualquer referência narcísica ou representação de si mesmo. O discurso melancólico apela para uma existência no nada e revela uma única saída no simbólico – “eu não sou nada”, frase que caracteriza a construção narrativa por excelência desses sujeitos (cf. Lambotte, 2001).
Aqui, delineiam-se os primeiros passos para uma distinção entre a constituição melancólica e a formação ideal dos pacientes deprimidos não-melancólicos. Nessa linha, o enfoque para uma análise dessas questões encontra sua principal referência na dimensão narcísica, cuja crença aparece como balizador.


Maria Teresa da Silveira Pinheiro Psicanalista; Pesquisadora da UFRJ, Coordenadora do Núcleo de Estudos em Psicanálise e Clínica da Contemporaneidade (UFRJ) 
Rogerio Robbe Quintella Psicólogo (UFF), Doutor (UFRJ); Membro do Núcleo de Estudos em Psicanálise e Clínica da Contemporaneidade (UFRJ) 
Julio Sergio Verztman Psicanalista; Psiquiatra do IPUB-UFRJ, Doutor (UFRJ), Coordenador do Núcleo de Estudos em Psicanálise e Clínica da Contemporaneidade (UFRJ)

Psicóloga Ana Amorim de Farias

CRP 06/39859-9

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