Donald Woods Winnicott foi um pediatra e psicanalista britânico da segunda metade do século XX. Nasceu na cidade de Plymouth, a 7 de abril de 1886, agregou significativas contrubuições à psicanálise e segundo ele,cada ser humano traz inato um potencial para amadurecer, para se integrar; porém, o fato de essa tendência ser inata não garante que ela realmente vá ocorrer, pois, para tanto, depende de um ambiente facilitador que forneça cuidados suficientemente bons, sendo que, no início, esse ambiente é representado pela mãe. É importante ressaltar que esses cuidados dependem da necessidade de cada criança, pois cada ser humano responderá ao ambiente de forma própria, apresentando, a cada momento, condições, potencialidades e dificuldades diferentes.
Nessa medida, podemos pensar que, se amadurecer significa alcançar o desenvolvimento do que é potencialmente intrínseco, possíveis dificuldades da mãe em olhar para o filho como diferente dela, com capacidade de alcançar certa autonomia, podem tornar o ambiente não suficientemente bom para aquela criança amadurecer. Não basta, apenas, que a mãe olhe para o seu filho com o intuito de realizar atividades mecânicas que supram as necessidades dele; é necessário que ela perceba como fazer para satisfazê-lo e possa reconhecê-lo em suas particularidades. Num artigo intitulado “A mãe dedicada comum”, escrito em 1966 e publicado numa coletânea de conferências e palestras radiofônicas, WINNICOTT descreveu um estado psicológico especial, um modo típico que acomete as mulheres gestantes no final da gestação e nas semanas que sucedem o parto. Nessa palestra, o autor nos conta como, em 1949, surgiu quase que por acaso a expressão mãe dedicada comum, que serviu para designar a mãe capaz de vivenciar esse estado, voltando-se naturalmente para as tarefas da maternidade, temporariamente alienada de outras funções, sociais e profissionais.
Trata-se, pois, de uma condição psicológica muito especial, de sensibilidade aumentada, que WINNICOTT chega a comparar a uma doença, uma dissociação, um estado esquizóide, que, no entanto, é considerado normal durante esse período. Ele afirma que, na base do complexo de sensações e sentimentos peculiares dessa fase, está um movimento regressivo da mãe na direção de suas próprias experiências, quando era bebê e das memórias acumuladas ao longo da vida, concernentes ao cuidado e proteção de crianças. Tão gradualmente como se instala, em condições normais, o estado de “preocupação materna primária” deve dissipar-se. Essas condições incluem a saúde física do bebê e da mãe, após um parto não traumático, uma amamentação tranqüila e pouca interferência de elementos estressantes. Após algumas semanas de intensa adaptação às necessidades do recém–nascido, este sinaliza que seu amadurecimento já o torna apto a suportar as falhas maternas. A mãe suficientemente boa deve compreender esse movimento do bebê rumo à dependência relativa e a ele corresponder, permitindo-se falhas que abrirão espaço ao desenvolvimento.
De fato, na obra de WINNICOTT (1979/1983; 1988/2002) encontramos que a capacidade das mães em dedicar a seus filhos toda a atenção de que precisam, atendendo suas necessidades de alimentação, higiene, acalanto ou no simples contato sem atividades, cria condições para a manifestação do sentimento de unidade entre duas pessoas. Da relação saudável que ocorre entre a mãe e o bebê, emergem os fundamentos da constituição da pessoa e do desenvolvimento emocional-afetivo da criança.
A capacidade da mãe em se identificar com seu filho permite-lhe satisfazer a função sintetizada por WINNICOTT na expressão holding. Ela é a base para o que gradativamente se transforma em um ser que experimenta a si mesmo. A função do holding em termos psicológicos é fornecer apoio egóico, em particular na fase de dependência absoluta antes do aparecimento da integração do ego. O holding inclui principalmente o segurar fisicamente o bebê, que é uma forma de amar; contudo, também se amplia a ponto de incluir a provisão ambiental total anterior ao conceito de viver com, isto é, da emergência do bebê como uma pessoa separada que se relaciona com outras pessoas separadas dele. WINNICOTT (1979/1983) também coloca que a mãe, ao tocar seu bebê, manipulá-lo, aconchegá-lo, falar com ele, acaba promovendo um arranjo entre soma e psique e, principalmente ao olhá-lo, ela se oferece como espelho no qual o bebê pode se ver.
Na visão winnicottiana, já nos primórdios da existência, é fundamental para a constituição do self o modo como a mãe coloca o bebê no colo e o carrega; dá-se, assim, a continuidade entre o inato, a realidade psíquica e um esquema corporal pessoal. O holding é necessário desde a dependência absoluta até a autonomia do bebê, ou seja, quando os espaços psíquicos entre este e sua mãe já estão perfeitamente distintos.
WINNICOTT (1976/1983), visando mostrar a pais leigos a importância do que eles faziam naturalmente, traz uma descrição mais concreta do que está envolvido no holding: “Protege da agressão fisiológica, leva em conta a sensibilidade cutânea do lactente – tato, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade à queda (ação da gravidade) e a falta de conhecimento do lactente da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo. Inclui a rotina completa do cuidado dia e noite, e não é o mesmo que com dois lactentes, porque é parte do lactente, e dois lactentes nunca são iguais. Segue também as mudanças instantâneas do dia-a-dia que fazem parte do crescimento e do desenvolvimento do lactente, tanto físico como psicológico” (WINNICOTT – 1979/1983, p.48). Em sua teoria, conforme colocado anteriormente, afirma que o “estado de preocupação materna primária” implica em uma regressão parcial por parte da mãe, a fim de identificar-se com o bebê e, assim, saber do que ele precisa, mas, ao mesmo tempo, ela mantém o seu lugar de adulta. É, ainda, um estado temporário, pois o bebê naturalmente passará da “dependência absoluta” para a “dependência relativa”, o que é essencial para o seu amadurecimento.
A dependência absoluta refere-se ao fato de o bebê depender inteiramente da mãe para ser e para realizar sua tendência inata à integração em uma unidade. À medida que a integração torna-se mais consistente, o amadurecimento exige que, vagarosamente, algo do mundo externo se misture à área de onipotência do bebê. Ser capaz de adotar um objeto transicional já anuncia que esse processo está em curso e, a partir daí, algumas mudanças se insinuam. O bebê está passando para a dependência relativa e pode se tornar consciente da necessidade dos detalhes do cuidado maternal e relacioná-los, numa dimensão crescente, a impulsos pessoais.No início da passagem da dependência absoluta para a dependência relativa, os objetos transicionais exercem a indispensável função de amparo, por substituírem a mãe que se desadapta e desilude o bebê. A transicionalidade marca o início da desmistura, da quebra da unidade mãe-bebê.
Na progressão da dependência absoluta até a relativa, WINNICOTT (1988/2002) mapeou três realizações principais: integração, personificação e o início das relações objetais. É nesse período de dependência relativa que o bebê vive estados de integração e não integração, forma conceitos de eu e não – eu, mundo externo e interno, estágio de concernimento, podendo então seguir em seu amadurecimento, no que o autor denomina independência relativa ou rumo à independência. Aqui, o bebê desenvolve meios para poder prescindir do cuidado maternal. Isto é conseguido mediante a acumulação de memórias de maternagem, da projeção de necessidades pessoais e da introjeção dos detalhes do cuidado maternal, com o desenvolvimento da confiança no ambiente. É importante ressaltar que, segundo WINNICOTT (1988/2002), a independência nunca é absoluta. O indivíduo sadio não se torna isolado, mas se relaciona com o ambiente de tal modo que pode se dizer que ambos se tornam interdependentes.
Livros de D. W. Winnicott publicados em português: A classificação das obras de Winnicottt (ano e letra) segue a estabelecida por Knud Hjulmand (também publicadas nesse site). Acrescentamos também a classificação estabelecida por Harry Karnac (W!, W2…W21) e os respectivos livros na sua primeira edição, tanto em português quanto no original.
1958a: Da pediatria à psicanálise. Trad. de Jane Russo. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1978. Da pediatria à psicanálise. Trad. de Davy Litman Bogomoletz. Rio de Janeiro, Imago, 2000.
W6 – Collected Papers: Through Paediatrics to Psycho-Analysis. London, Tavistock ,1958.
1964a: A criança e seu mundo. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1985. W7 – The Child, the Family, and the Outside World. Harmondsworth, Penguin Books, 1964.
1965a: A família e o desenvolvimento individual. Trad. de Marcelo Brandão Cipola. São Paulo, Martins Fontes, 1983. W8 – The Family and Individual Development. London, Tavistock Publications, 1965.
1965b: O ambiente e os processos de maturação. Trad. de Irineu Constantino Schuch Ortiz. Porto Alegre, Artes Médicas, 1983. W9 – The Maturational Processes and the Facilitating Environment. London, Hogarth 1965.
1971a: O brincar e a realidade. Trad. de José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro, Imago, 1975. W10 – Playing and Reality. London, Tavistock, 1971.
1971b: Consultas terapêuticas em psiquiatria Infantil. Trad. de Joseti Marques Xisto Cunha. Rio de Janeiro, Imago, 1984. W11 – Therapeutic Consultations in Child Psychiatry. London, Hogarth, 1971.
1977: The Piggle: o relato do tratamento psicanalítico de uma menina. Trad. de Else Pires Vieira e Rosa de Lima Martins. Rio de Janeiro, Imago, 1979. W12 – The Piggle. An Account of the Psycho-Analytic Treatment of a Little Girl. Ed. I.Ramzy. London, Hogarth 1977.
1984a: Privação e delinqüência. Trad. de Álvaro Cabral. São Paulo, Martins Fontes, 1987. W13 – Deprivation and Delinquency. Eds. C.Winnicott/R.Shepherd/M.Davis. London, Tavistock, 1984.
1986a: Holding e interpretação. Trad. de Sonia Maria Tavares Monteiro de Barros. São Paulo, Martins Fontes, 1991. W15 – Holding and Interpretation. Fragment of an Analysis. London, Hogarth, 1986.
1986b: Tudo começa em casa. Trad. de Paulo Sandler. São Paulo, Martins Fontes, 1989. W14 – Home Is Where We Start From. Eds. C.Winnicott/R.Shepherd/M.Davis. Harmondsworth, Penguin 1986.
1987a: Os bebês e suas mães. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo, Martins Fontes, 1988. W16 – Babies and their Mothers. Eds. C.Winnicott/R.Shepherd/M.Davis. Reading, Mass., Addison-Wesley, 1987.
1987b: O gesto espontâneo. Trad. de Luis Carlos Borges. São Paulo, Martins Fontes, 1990. W17 – The Spontaneous Gesture, Selected Letters. Ed. F.R.Rodman. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1987.
1988: Natureza humana. Trad.de Davi Litman Bogomoletz. Rio de Janeiro, Imago, 1990. W18 – Human Nature. Eds. C.Bollas/M.Davis/R.Shepherd. London, Free Association, 1988.
1989a: Explorações psicanalíticas. Trad.de José Octavio de Aguiar Abreu. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994. W19 – Psycho-Analytic Explorations. Eds C.Winnicott/R.Shepherd/M.Davis. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1989.
1993a: Conversando sobre crianças [com os pais]. Trad. de Álvaro Cabral. São Paulo, Martins Fontes, 1993. W20 – Talking to Parents, eds. C.Winnicott/C.Bollas/M.Davis/R.Shepherd. Reading, Massachusetts, Addison-Wesley, 1993.
1996a: Pensando sobre crianças. Trad. de Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997. W21 – Thinking About Children, eds. R.Shepherd/J.Johns/H.T.Robinson. London, Karnac Books, 1996.