Entre o Amor e a Paixão – Take this waltz


Há filmes que nos lançam ao mundo da fantasia e sonho, sendo este o grande mérito e sentido deles, uma vez que o humano precisa do sonho e da fantasia. Outros nos fazem mergulhar nas agruras do viver e refletir às duras penas.  O filme “Take this waltz” da diretora e roteirista canadense Sarah Polley está na segunda categoria.

A substituição do nome em inglês por “Entre o Amor e a Paixão” engana o que se deve esperar do filme que não se reduz ao conflito de uma jovem mulher entre  um amor que vive no relacionamento conjugal e uma paixão avassaladora por um homem estranho que surge em sua vida. “Take this waltz” trata sobretudo da solidão das pessoas dentro dos relacionamentos quando estes se esvaziam, pairam na superficialidade, quando a dificuldade em se comunicar causa a deterioração dos relacionamentos ou até a impossibilidade de serem construídos. 

Vemos o casal Margot (Michelle Williams) e Lou (Seth Rogen) a todo momento dizerem um ao outro que se amam, utilizando de uma brincadeira particular do casal e de formas as mais insólitas possíveis. Em uma das cenas Margot logo ao ser acordada pelo marido diz: “Eu te amo tanto que vou amassar a sua cabeça como purê de batatas”. Ele responde: “Eu te amo tanto que vou colocar o seu braço em uma máquina de moer carnes.” Por fim, ela ganha a brincadeira nesta vez fazendo o marido rir ao dizer “Eu te amo tanto que vou injetar no seu rosto uma combinação de influenza e ebola.” O que nos arranca um sorriso angustiado. Logo vemos que as brincadeiras escondem e revelam o que não pode ser dito, pensado e até mesmo sentido por eles. A necessidade constante de afirmação do amor esconde as dúvidas e medos do casal na impossibilidade de lidarem com suas diferenças e sentimentos mais profundos. 

Na brincadeira repetitiva são dois iguais, como se fossem apenas duas crianças brincando, mas como adultos não conseguem lidar com a diferença entre as formas de expressarem o seu amor e desejo um para o outro. Margot quer ter um filho, ele não, mas não conversam sobre isso, sobre o significado desta diferença e como vão lidar com ela. O que significaria para Margot o marido não desejar ter um filho com ela? Por qual motivo este desejo é ausente para ele e até mesmo impensável? Nada disso sabemos, nem eles conseguem se deparar com tais questões. O que fica? A dor, a mágoa, a raiva. Sentimentos que ambos tentam evitar usando como barreira protetora as brincadeiras que são ao mesmo tempo uma expressão destes mesmos sentimentos. 

Nas brincadeiras podemos ainda ouvir que a pergunta: quem ama mais? É uma constante dentro de cada um revelando a insegurança e o medo de amar mais ao outro do que se é amado. A protagonista num determinado momento pergunta: “Quando mesmo comecei a perder nesta brincadeira?”. O que poderíamos traduzir pela questão quando meu amor começou a diminuir? Neste momento seu companheiro comenta que começou a ganhar porque talvez a ame mais do que no começo.
A dúvida e o medo não permitem que possam respeitar o tempo do desejo de cada um, de tal forma que primeiro temos uma cena na qual Margot não corresponde ao desejo sexual do marido e numa segunda cena ele faz o mesmo. O que poderia ser vivido apenas como um desencontro, caso não houvesse sentimentos reprimidos entre ambos, é vivido por cada um como uma rejeição. A diferença é que Margot ao dizer que não quer avançar para uma relação sexual percebe que o marido ficou aborrecido, nomeia isto e pede desculpas, enquanto Lou não apenas não corresponde ao desejo dela como não o reconhece. Ele não corresponde à tentativa de sedução da esposa por supostamente estar impedido de fazê-lo ao se ocupar da preparação do jantar, inconsciente de que a rejeita por ter se sentido rejeitado anteriormente.
 Tal negação do que está sendo vivido entre eles mergulha Margot num profundo desespero já que fazendo isso Lou nega a realidade a tal ponto que ela fica totalmente sozinha e no lugar de quem está delirante. Em sinal de desespero Margot chora e o marido diz: “Eu estou apenas fazendo o frango?”. Perguntamo-nos por qual motivo Lou seria tão cruel com a esposa pela qual está envolvido e imaginava viver o restante da vida? Em outro momento diz a ela: “Em algum lugar eu sabia que alguma coisa não estava bem, mas acho que apenas esperava passar.”


Os mecanismos de defesa inconscientes servem para que o psiquismo se proteja de lidar com certos sentimentos que seriam vividos como intoleráveis ou dolorosos pelo ego(eu). Todos nós os utilizamos, porém o que vemos é o mecanismo da negação sendo utilizado até as últimas consequências. Lou não reconhece seus sentimentos nem os da sua mulher, não a vê.

Em sucessivas cenas Margot busca a atenção do marido, quando ele está ao telefone, cozinhando, no restaurante com ele,  porém esse está distante. 
O que fica evidente é que há um impedimento para além da tarefa que ele estaria executando. Numa das cenas estão num restaurante para comemorar o aniversário de casamento, porém ele não consegue criar um espaço de conversa com ela, ao ser solicitado por Margot diz que não tem o que conversar com ela porque sabem tudo um do outro por viverem juntos. Paralelamente a estas cenas Daniel (Luke Kirby) com quem Margot flerta numa viagem a persegue pelas ruas e lugares.
Margot busca alguém que a veja, a ouça, a ame, mas como uma criança deixa-se embalar nos movimentos do carrossel que levam à vertigem, mas são temporários. 

O filme que ficaria bem traduzido como “Alguém para conversar” revela que o essencial para o relacionamento amoroso é, para além da junção do amor e desejo, a possibilidade de enfrentar alguns dos medos e dores mais profundos que assombram a alma humana: o medo da rejeição e a dor de não receber o olhar do outro
como correspondência do nosso olhar.

Poema que inspirou
“Take this Waltz” de Leonard Cohen 

En Viena hay diez muchachas,
un hombro donde solloza la muerte
y un bosque de palomas disecadas.
Hay un fragmento de la mañana
en el museo de la escarcha.
Hay un salón con mil ventanas.

¡Ay, ay, ay, ay!Toma este vals con la boca cerrada.

Este vals, este vals, este vals, este vals,
de sí, de muerte y de coñac
que moja su cola en el mar.

Te quiero, te quiero, te quiero,
con la butaca y el libro muerto,
por el melancólico pasillo,
en el oscuro desván del lirio,
en nuestra cama de la luna
y en la danza que sueña la tortuga.

¡Ay, ay, ay, ay!Toma este vals de quebrada cintura.

En Viena hay cuatro espejos
donde juegan tu boca y los ecos.
Hay una muerte para piano
que pinta de azul a los muchachos.
Hay mendigos por los tejados,
hay frescas guirnaldas de llanto.

¡Ay, ay, ay, ay!Toma este vals que se muere en mis brazos.

Porque te quiero, te quiero, amor mío,
en el desván donde juegan los niños,
soñando viejas luces de Hungría
por los rumores de la tarde tibia,
viendo ovejas y lirios de nieve
por el silencio oscuro de tu frente.

¡Ay, ay, ay, ay!Toma este vals, este vals del “Te quiero siempre”.

En Viena bailaré contigo
con un disfraz que tenga cabeza de río.
¡Mira qué orillas tengo de jacintos!
Dejaré mi boca entre tus piernas,
mi alma en fotografías y azucenas,
y en las ondas oscuras de tu andar
quiero, amor mío, amor mío, dejar,violín y sepulcro, las cintas del vals.

(Frederico Garcia Lorca – Pequeño Vals Vienés)


Ana Amorim de Farias 
Psicanalista e Psicóloga 
Adultos e Casais 

Psicóloga Ana Amorim de Farias

CRP 06/39859-9

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