Medo de Amar – Ana Amorim de Farias


“…uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de.
Apesar 
de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer.
Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de, que nos empurra para a
frente” (Clarice Lispector).

Uma das características que nos torna humanos é a capacidade de
amar, de nos colocarmos no lugar do outro, a capacidade de doação ao outro, de
tolerar o que no outro é diferente do meu Eu. 
Sem isso perdemos a
possibilidade de uma verdadeira ligação com o outro; perdemos a capacidade
empática, base do amor e da amizade. Sem empatia, distorcemos nossa
capacidade ética e nos tornarmos desumanos. Estou falando da
violência, morte, agressão, assassinato. Em escalas menos perigosas a
dificuldade de amar e se relacionar nos limita a relações superficiais,
relações irreais. Estou falando por exemplo de pessoa que criam “fakes”,
criam personagens e se “relacionam” apenas com suas fantasias, sem correr
os riscos inerentes a uma relação, mas correndo um risco maior,  se
desconectarem da vida real. No cotidiano, trabalham, criam seus filhos, mas não
amam, não se entregam, não conhecem o outro, não trocam mazelas e prazeres
indescritíveis que ainda estão no âmbito do encontro de dois corpos que trocam
fluídos e as suas histórias de vida. 

Quando fazemos sexo com alguém significativo nossa psique está
participando com sua história e fantasia. Fantasias que se tornam
movimentos, suor, grito, gozo. Energia psíquica circulando, sangue acelerado
pelas veias, benefícios para o corpo e a psique. Nada de moralismo. A revolução
sexual nos permitiu tantas coisas. Sexo sem envolvimento afetivo pode ser
prazeroso e válido desde que ambos estejam usufruindo do encontro dos
corpos que proporciona prazer a ambos sem que um ou ambos estejam falseando o
encontro para si ou para o outro. É necessário nomear para si e para o outro o
próprio desejo. Recomendável para períodos que estamos nos recuperando de uma
relação desfeita e já conseguimos fazer sexo sem amargura. Recomendável para o
início da descoberta da nossa sexualidade. Não recomendável para afirmar se
somos atraentes, afirmar nosso ego, evitar intimidade ou outro uso que não o
prazer de ambas as partes envolvidas.  

Aqui faço um recorte específico em relação à dificuldade de
entrega à experiência de unir intimidade e desejo sexual por uma mesma
pessoa devido ao medo de amar. O medo de sofrer. Medo que pode ter como causa a fantasia
inconsciente de destruição da integridade psíquica.
 O que nos
remete a parábola do porcoespinho usada pelo
filósofo Schopenhauer para se referir às dificuldades de
convívio entre humanos. Os porcos-espinho buscavam se proteger
do inverno rigoroso, buscando se aquecer no calor da companhia de outros. Mas,
com a proximidade dos corpos, os espinhos causavam-lhes
feridas, enquanto a distância podiam fazer com que congelassem. Assim há
pessoas que não suportam a intimidade que uma relação profunda demanda,
contudo, mal suportam a solidão, passam vagando pela vida entre relações,
infidelidades, ou outros arranjos possíveis, numa evitação da intimidade
por medo e não como uma escolha.  Mas por que isso ocorre?

Umas das respostas pode estar na infância, quando os pais ocupados
demais cada um consigo ou ambos com a relação por ser problemática não puderam
passar a mensagem para o(a) filho(a): tua existência é válida por ser
única,  tua integridade a ti pertence e ninguém pode retirá-la de você.
Mensagens importante para construção de um narcisismo saudável que são passadas
quando uma mãe amamenta, afaga, ri e fala com seu bebê. Quando um pai incentiva
os avanços do filho em direção às pequenas descobertas do ambiente que o
cerca. Quando é permitido à criança dizer não e o amor não é
condicionado ao que ela faz, mas ao que ela é.
 Algumas falhas sempre
ocorrem grandes e/ou pequenas. Porém quando são impeditivas da continuidade do
estado de set do bebê, de sentir que sua existência tem sentido, se sentir
afagado e acolhido são grandes falhas que serão obstáculos no futuro. Na maior
parte das vezes precisarão ser revistas junto a um profissional
capacitado. 


Algumas crianças conseguem por outros meios criar um ambiente que as
tornem capazes de recriar a possibilidade de se valorizarem, ganhar força e
integridade e, portanto, a capacidade de se relacionar com o outro em profundidade
sem o pavor de se perder.
Infelizmente nossa cultura do fast-food não colabora com a ideia que
estabelecer uma relação a longo prazo possa valer à pena. É a procura do
sucesso fácil, dos valores materiais subjugando os valores emocionais. Vale
quem é bonito, rico, tem o último modelo caro de carro do ano. 
Deixamos assim nos enganar pelo consumismo como um possível escudo para
a dor e o vazio e compramos cada vez mais e inclusive antidepressivos. Ganha a
indústria farmacêutica. 
Perdemos todos nós.

 

Ana Amorim de Farias, 2010
Psicóloga e Psicanalista – CRP 06/39859-9 
anaamorim.psy@gmail.com
atendimento presencial/online

 

Psicóloga Ana Amorim de Farias

CRP 06/39859-9

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