Leia uma pequena entrevista com o Dr. Paulo de Mello Coordenador Geral do Grupo de Estudos e Pesquisa em Neuropsicanálise/CEMCO/Unifesp sobre a neuropsicanalise uma matéria extremamente interessante e que com o percurso dos tempos ajudara em muito ao entendimento ainda maior das relações do cérebro e a mente pelos psicanalistas,psicólogos e psiquiatras
Gostaria de começar a conhecer um pouco mais a neuropsicanalise. Como você faz essa relação entre o cérebro e a mente?
Particularmente, formei-me primeiro como médico neurologista e creio que por isso sempre olhei o cérebro, como o aparato, e a mente, como um fenômeno tão funcional quanto quaisquer outros fenômenos de ordem fisiológica e resultados da função de demais sistemas e aparelhos, à exemplo: o digestório, urinário, cardíaco ou respiratório. A mente, na minha maneira de ver, é tanto um fenômeno quanto é a respiração ou a “filtração” glomerular (renal). O que mudou, na minha forma de entender a mente, foi que com o tempo, passei a compreender o importante papel que o ambiente exerce sobre o funcionamento de nosso organismo e seus resultados. Isso inclui a influência do contexto ambiental na mente como fenômeno e o modo como é manifesta pelo sistema. Contingências socio-familiares, alimentação, frio, calor, amor, olhar, desejo ou mesmo o ódio alheios interferem de modo marcante no desenvolvimento e homeostase desse cérebro pela neuroplasticidade e nas funções ligadas ao cérebro, entre elas, a mente. Descobri então, Fernando, na transdisciplinaridade, um espaço para repensar a relação entre a psicanálise, sobretudo a neo-kleiniana (por afeição), com a neurociência. A transdisciplinaridade ampliou os limites epistemológicos e interseccional entre estes dois corpos de conhecimento.
Um individuo com paralisia parcial do cérebro pode estabelecer contato com inconsciente?
Acho dificil tratarmos uma lesão cerebral pela psicanálise, entretanto, através de estudos realizados em pacientes com lesões cerebrais, pode-se melhor compreender a relação de determinadas estruturas, circuitos e neurotransmissores, com os conceitos psicanalíticos (Mark Solms). Entendo o que você quis dizer com a metáfora do “telefone” e concordo em parte com ela. Nela, você se refere ao cérebro como um aparelho e a mente como o fenômeno (a vóz). Assim, apropriando-me de sua metáfora, penso que se entendermos como o aparelho funciona podemos modificar aspectos ligados ao fenômeno, no exemplo, aspectos ligados à “vóz” tais quais o volume, tom, intensidade, enfim, podemos até equalizar as qualidades da “vóz” (equalizar o fenômeno). Ou seja, entendendo como o cérebro funciona (e a neuropsicanálise pode em muito colaborar com isso), podemos entender como as intervenções psicanalíticas modificam o funcionamento do sistema. Entretanto, modificar o funcionamento do sistema não significa reparar lesões, mas sim, equalizar um sistema dentro de seu potencial de funcionamento. Há no cérebro todo um complexo sistema com o objetivo de adaptar o individuo a uma determinada situação contextual, sistema que responde às intervenções ditas espontâneas ou mesmo dirigidas, as psicoterapêuticas (ex: psicanalíticas). Intervenções que podem estimular a neuroplasticidade (Erik Kandel), o que pode aumentar a eficiência do próprio sistema dentro de seu contexto através das funções mentais, uma mente mais adequada à vida e às relações pessoais o que reflete diretamente na auto-estima, na auto-confiança, no auto-respeito, na socialização, no aprendizado, na tolerância, na capacidade de se adaptar à novas situações, na preservação de um humor e anseios mais adequados e etc.
Quais tipos de lesões celebrais podem ser tratadas com a psicanálise?
O inconsciente envolve funções mais primordiais, primitivas e ligadas às pulsões, driving, intenções, mecanismos de recompensa e sistemas aversivos (funções preferencialmente do sistema límbico). Há pacientes com paralisia cerebral que apresentam um comprometimento exclusivo das funções motoras sem qualquer prejuizo nas funções mentais (conscientes e inconscientes). Entretanto, alguns pacientes com este diagnóstico, encefalopatia crônica não evolutiva (paralisia cerebral), podem apresentar um prejuizo de maior ou menor grau nas suas funções mentais. Mais fácil é avaliar os prejuizos num nível consciente, e mais fácil é entender que uma lesão cortical, quando presente, pode preservar funções primordialmente inconscientes, já que tais funções, as inconscientes, estão ligadas às estruturas mais profundas, àquelas, menos susceptíveis à lesões por anóxia ou hipoglicemia, as chamadas estruturas límbicas. É certo então, que as funções ditas inconscientes continuam existindo enquanto existe alguma vida mental (sistema límbico funcionante). Há de se discutir nesta situação, não exatamente se existe ou não um inconsciente funcionante, por que há, mas há sim que se discutir, qual é a qualidade de tais funções inconscientes em situações as quais há prejuízo extremo da função cerebral.
O paciente em coma (induzida ou não) continua tendo reflexos, audição e percepção?
Pergunta simples para uma resposta dificil.
Existem vários níveis de consciência quando dormimos, a onírica, a residual, a de projeção etc, mas tecnicamente falando, quando estamos em coma, há de se avaliar as condições desse cérebro.
Diversas são as referências indiscutíveis de pacientes que se percebem flutuando na sala de uma UTI ou de um Centro Cirúrgico enquanto em coma ou enquanto anestesiados. Alguns, descrevem exatamente o que se passou na sala por um perspectiva de quem vê de cima, são capazes de confirmar quantas pessoas haviam na sala, onde estavam e até que medicamentos foram utilizados e em que sequência (eu mesmo já passei por esta experiência enquanto médico residente no Hospital São Paulo há um pouco mais de 20 anos atrás). E depois desta, outras experiências vieram. Parece que a projeção da consciência é a experiência mais comum a estes pacientes.
Creio eu, que se houver algum nível de integridade cerebral é possível sim, de alguma forma, manter algum contato com o meio que o cerca … num nível não consciente, e desse modo, é possível sim, ao falar ao “pé do ouvido” do paciente, gerar ou modificar ações em um nível biológico ou bioquímico facilitando a recuperação ou o desenlace deste paciente.
Enfim, é o que a clínica diária nos mostra.
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