O DESAFIO DO ANALISTA É PERMANECER HUMANISTA

Na entrevista dada ao Estadão no dia 07/10/2012 o
psicanalista Leopoldo Nosek responde a perguntas cruciais para quem
deseja compreender como a psicanálise pode ajudar as pessoas na
contemponaneidade e aborda temas importantes como anorexia, sindrome do pânico, sexualidade,  tempo e competitividade na atualide e o conceito de felicidade.

 

“O DESAFIO DO ANALISTA É PERMANECER HUMANISTA” 

Quando o antigo já não existe mais e o novo ainda não se
estruturou é que se criam os monstros, segundo Leopold Nosek, da Federação
Psicanalítica da América Latina. 
Os sintomas desse momento de transição– no qual se encontra
a humanidade– estão na pauta dos principais desafios dos analistas
contemporâneos.
A seguir, os melhores momentos da entrevista realizada com o
psicanalista por ocasião do 29º Congresso Latino-Americano de
Psicanálise,  realizado em São Paulo de 10 a 13 de outubro  em torno
do tema “Invenção-Tradição”, uma alusão às mudanças vertiginosas de nossa
sociedade.

O mundo atual é muito fragmentado, a análise ajuda a dar
unidade para pensamentos e sentimentos?
O paciente continua um ser humano. Só precisa ser lembrado
disso. É um trabalho de recuperação. Não vivemos de construções velhas,
portanto é impossível um analista estar ouvindo a mesma coisa. Nossos sentimentos
pedem sempre novos versos.

Dê um exemplo.
As canções de ninar. São todas iguais. Falam de monstros,
não de sossego. Porque a criança tem o medo e o horror dentro dela. E quando
encontra uma representação, se sente entendida. Quando se adquirem palavras
para o conflito e para a dor, aquilo se circunscreve. Deixa de ser infinito e
adquire um tamanho. A partir daí, monta-se a equação e pode-se lidar com isso.
Uma boa análise não resolve as equações, mas ajuda a montá-las. E, às vezes,
isso é o mais difícil. “A cuca vem já já, papai foi pra roça, mamãe foi
trabalhar”. É uma equação de desamparo.

O ser humano continuou igual, enquanto o mundo sofreu um
avanço tecnológico imenso?
Em qualquer idade nos encontramos em transição. Sempre foi
assim. Mas, agora, a velocidade é assombrosa. Outro dia, um adolescente me
falou uma coisa interessante: que John Lennon nunca tinha visto um computador.

Quando um paciente tem alta, quem define isso: ele ou o
analista?
Não creio em alta. A alta não faz parte da minha ideia
analítica. A cura é uma ideia médica e se baseia em sintomas. O que existe são
momentos de desenvolvimento que promovem emancipação. Tem muita gente que quer
se aprofundar em si mesmo. Por outro lado, para quem faz análise, esse tipo de
exercício reflexivo é vital. Não há como evitar.

Existe quem consiga fazer essa reflexão sozinho?
De fato não criamos nada em isolamento. Prefiro dizer que há
pessoas que fecham a porta para esse tipo de prática. Muitas possuem uma
dificuldade de olhar para sua interioridade. São pessoas que estão sempre em
ação, impedindo o contato com o mundo onírico. Outros têm uma cegueira para o
que é conflitivo, contraditório e escuro. O que sabemos sobre a análise é que
aquele que a faz fica um pouquinho melhor na comparação com ele mesmo. E esse
pouco melhor é inestimável. A família e as pessoas ao lado notam. Claro que,
como tudo, análise depende de sorte. De achar a companhia certa para tanto.
Nelson Rodrigues dizia que sem sorte você não chupa nem picolé porque vai cair
no seu sapato.

A rapidez e a competição da atualidade contribui para o
aumento da angústia?
Vivemos transformações importantes. Acostumamo-nos a lidar
com um aparelho eletrônico e já temos que lidar com um novo. Existe hoje um
paradoxo. Vamos viver mais de oitenta anos, mas ficaremos obsoletos
profissionalmente, muitas vezes, com 40, 50 anos. Isso gera uma grande
insegurança. Há uma enorme concentração de recursos materiais e de expediente
para o trabalho para se produzir. Isto influencia nosso modo de viver. Por exemplo,
os bancos vão se preocupar com suas ações e não com as hipotecas e o destino
dos mutuários. Será que as grandes corporações farmacêuticas são diferentes?

E qual a consequência disso?
Falta tempo para o ser humano olhar para a própria
humanidade. Não conseguimos construir um acervo onírico, uma personalidade.
Sonhar e adquirir um repertório cultural, poético, requer tempo. É isso que
necessitamos para dar conta da vida. É um desafio dos analistas de hoje, muito
diferente da época do Freud. O sofrimento atual é de outra ordem. A do vazio. O
indivíduo sofre, mas não articula um discurso. Quem tem pânico, por exemplo,
sequer sabe diferenciar se o sofrimento é psíquico ou corporal. E crescem
doenças como a anorexia, obesidade e a bulimia, que há 40 anos eram uma
raridade.

O que é anorexia?
Ausência de desejo. Não se sente fome, não há vida sexual.
Porque o desejo é visto pelo anoréxico como um perigo de destruição interna.
Ele não tem acervo para dar conta. Isso é o desafio para o analista. Como
trata-se de um discurso que não se organiza, é impossível realizar o que os
analistas faziam antigamente – presente no imaginário popular –, de atribuir
significados inconscientes ao que o paciente fala. É necessário a criação de
novas narrativas, novos sonhos.

E como o analista reage em uma situação como essa?
É um dos temas do nosso congresso. Colocar o analista em
questão. Estamos diante de um mundo novo. Que implica em novo corpo,
sexualidade, ética e moralidade. Além de um sistema jurídico que terá que se
adaptar a tudo isso. Em um mundo onde as coisas estão cada vez mais técnicas, o
desafio para o analista é permanecer um humanista.
Com o avanço das drogas psiquiátricas, o paciente é o que
ele toma?
Claro que não. Comemoramos as novas medicações, são um
progresso. Entretanto, há um exagero. As pessoas não podem mais ficar tristes.
Crises e os lutos são grandes oportunidades de transformação, de inventividade,
desenvolvimento. Se você não tem tempo do luto, as pessoas tornam-se descartáveis.
Como viver sem perdas? O importante é dar um destino criativo para elas.

Onde entra a análise?
As pesquisas mostram que uma terapia, de ordem verbal,
aliada a medicação, funciona melhor do que só o remédio. Isso é consenso em
psiquiatria também. No entanto, existe uma predileção por sucesso rápido.
Costuma-se dizer que a psicanálise é demorada. O que ocorre é que entramos em
um processo de desenvolvimento. Se a análise for boa você sente os benefícios
desde o primeiro encontro.

Como se manter são?
Eu nem pretendo isso. Não me apresento assim. Não tenho cara
de são e não faço a menor questão de ser. E não sei mais do que a pessoa que
está lá comigo. Só tenho um ouvido disciplinado para aquilo. Para ser analista,
tem que ter problemas suficientes para não conseguir ficar quieto.

Como o senhor vê o crescimento dos fundamentalistas no
mundo?
Quando eu comecei, a angústia dos pais era que os filhos
estavam virando revolucionários. Hoje, se preocupam porque os filhos estão
virando fanáticos. Com o a falta de tempo para construir um acervo que dê conta
da sua humanidade, o indivíduo apela para as receitas prontas.

Em qualquer época?
Em tempos de transformação. Quando o velho não existe mais e
o novo ainda não se estruturou, criam-se os monstros, dizia Antonio Gramsci.
São momentos em que ainda não há um novo sonho, uma referência poética. Em
épocas como essa, em que não existe tempo de esperar até que se organize um
novo sonho, uma nova referência poética e cultural, é que as pessoas se
socorrem de coisas estabelecidas.

Outra discussão é sobre a esfera do público e do privado.
Mudou com a internet?
Sim. O Facebook e similares, por exemplo. As pessoas
acreditam que estão expondo a intimidade ali. Mas, na verdade, não. Mudou o
critério de intimidade. O que é íntimo, de verdade, as pessoas não mostram.

Por quê?
Porque quando é íntimo é conflituoso. O sexo pode ser íntimo
para uma pessoa e não para outra. E parte da graça do sexo é que é
tremendamente conflituoso e angustiante. Senão, seria como comer bife. O medo
da perda, da invasão, do excesso, estão sempre aí. O número de fantasias, medos
e expectativas que acompanham a sexualidade é enorme, e aí é que está a graça.

O que é a felicidade?
Essa felicidade da qual se fala é uma bobagem (risos). Uma
coisa é viver criativamente, viver bem. Viver feliz é um sonho infantil. A
ideia de não ter conflitos, problemas, é uma negação da realidade. Isso não é
viver feliz, é ter uma anestesia para uma parte da vida. Uma pessoa que
acredita nisso não vive as crises dos filhos, as questões amorosas, os lutos.
Pensa em soluções. Chamo essas pessoas de “solucionáticas”.

Para resumir, qual o maior desafio para o analista hoje?
Cada vez mais o tratamento é bipessoal. Na sala de análise
tudo pode acontecer virtualmente. O analista tem que ser corajoso e
participativo. Ter audácia. Tem que ter o conhecimento. Esta é a sua ética.
Estamos todos em questão, o paciente, o analista e a análise. Cabe a
brincadeira “vamos olhar seus problemas de frente: pode se deitar”.

Entrevista publicada pelo jornal O Estado de São Paulo.


Psicóloga Ana Amorim de Farias

CRP 06/39859-9

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