“Querido Dick,
Deve ter sido os ventos do deserto que entraram em nossas cabeças na noite em que te conhecemos ou talvez fosse o desejo de ficcionar um pouco a vida. Não o sei. Mas agora estamos aqui, centrados na mesma mulher. Poderia redigir sem fim sobre minha estória com a Chris. Mas pouco importaria. Seria apenas distração.” (Sylvere – marido de Chris)
I Love Dick é uma série baseada no livro feminista e semiautobiográfico de Chris Kraus que foi publicado pela primeira fez em 1997 e redescoberto após seu relançamento em 2015. No elenco temos Kathryn Hahn, interpretando Chris; Kevin Bacon (Dick); Griffin Dunne (Sylvere).
Dick é um apelido para Richard, gíria para “pinto”, “pau”, pênis, o órgão sexual masculino e uma forma de dizer que alguém é babaca. Uma boa dose de condensação no titulo nos alerta para o que podemos esperar. Há algo de tolo na adoração e obsessão do falo, que o estereótipo do macho dominador revela, e no entanto nossa civilização foi construída nestas bases.
Na série vemos os personagens tensionados entre seus desejos sexuais, de realização pessoal, artística, de busca do outro e de si, entre o frenesi do desejo e a aridez do deserto. Um homem encarna o estereótipo do macho dominador. Dick (Kevin Bacon) é curador de um Instituto de Arte. Suas obras de linhas retas representam a perfeição do Falo. Chris (Kathryn Hahn) traz a desordem neste mundo retilíneo de Dick.
Aqui temos o desejo feminino enlouquecido na forma de uma obsessão. Chris fica obcecada por Dick. Em uma das cenas da série Chris fantasia Dick andando na rua sem camisa com seu jeans colado, carregando uma ovelha nas costas com olhar penetrante nela, lentamente ele coloca a ovelha no chão e começa a tosquiar os pêlos da barriga da ovelha. Desejo de ser dominada, desejo de ser abatida. Desejo dito feminino, enquanto fantasia. Quando Dick finalmente para de resistir com fúria a Chris e deita sobre ela, revela que foi uma conversa entre ele e o marido de Chris que o levou até ali, ou seja, um acordo de homens. Então, Chris cai sob o domínio da fúria, todo desejo se esvai. Não quer ser objeto de troca entre homens. Não quer ser dominada na realidade, apenas na fantasia. Do que se trata o desejo feminino? Quantas faces ele tem? É quando cuidada por Dick que este desejo torna a vir com a força das cartas que escreveu para ele conforme a obsessão ganhava corpo.
Chris vai até a casa de Dick, desejo feminino ativo, mergulha no lago, confronta-se com a perda dos filhos que não teve, seriam dois homens em sua fantasia. Chris teve dois abortos, um espontâneo, outro provocado. Estes filhos aparecem como homens adultos em seu devaneio e falam com ela. Ao despertar do seu devaneio bate na porta de Dick congelando de frio. Ele prepara o banho, cozinha para ela, conversam. Nada da virilidade agressiva, é um homem que protege e cuida agora. Ainda assim algo impossibilita que aja encontro. Chris não suporta o menor sinal de rejeição e Dick é um homem frágil diante do sexo da mulher.
Nem todo desejo faz encontro, mas ele insiste em fazer.
O desejo é um tormento, é uma fúria, é uma possibilidade de encontro sempre, se não com o outro, objeto do desejo, com o mais íntimo de nós.
As cartas que escrevo sempre me descrevem.
Ana Amorim de Farias – Psicóloga e Psicanalista
CRP 06/39859-9
Adultos e Casais
R Apucarana, 272, sl 611 – Tatuapé-SP
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