Pra que serve a psicoterapia? por Fernando Savaglia

Preocupado com o comportamento problemático de seu filho na escola, o mafioso Tony Soprano pergunta à sua terapeuta:

– O que você acha que eu deveria fazer com ele, ir com calma ou pressioná-lo?
– Isto é difícil de responder – falou a analista.
– Quer aumento para responder? – perguntou o paciente, não disfarçando a irritação com a devolutiva da psicoterapeuta.
Este diálogo, transcrito de um dos episódios da série A Família Soprano,
descreve bem a ideia simplória que muitas pessoas têm do processo da
psicoterapia: pagamos para obter respostas objetivas sobre nossos afetos
a alguém que se livrou completamente de suas neuroses.
O recentemente falecido José Ângelo
Gaiarsa, provavelmente o maior terapeuta reichiano do Brasil, deixou em
seu último livro publicado, Meio Século de Psicoterapia,
contundentes opiniões sobre o processo. “Melhor ser visto, perante o
paciente, como um aliado, até um cúmplice, do que se propor como uma
autoridade imune ante os males do mundo no qual ambos vivem e no qual se
formaram”.
É claro que a relação terapeuta/paciente
tem importância fundamental em qualquer processo analítico. Porém, é
unanimemente reconhecido entre os profissionais psi que cerca de 90% do
que é dito pelo analista não é absorvido pelos pacientes.
A partir daí pode surgir a famosa e
recorrente pergunta por parte do cliente: “estaria eu pagando para ter
um amigo com quem possa desabafar?” Ou então, “como sei se a terapia
está surtindo efeito?”
A resposta a esta pergunta pode parecer
complexa. Muito melhor que elucubrações teóricas sobre esta ou aquela
abordagem, podemos começar a respondê-la dando um exemplo de
sensibilidade de um terapeuta que ao invés de tentar desarmar uma
suposta neurose, soube ver no relato de seu analisando um caminho para
aplacar aquela angústia. Para isso, faço uso de uma história do
pedagogo e psicanalista Rubem Alves. Ele conta que certa vez recebeu um
paciente que se queixava da falta de capacidade de se integrar ao
mundo ao seu redor. As pessoas lhe pareciam fúteis, as relações sem
profundidade e em seu trabalho estava cercado de situações injustas e
egoístas. Alves, ao invés de buscar uma terapia de inclusão, isto é,
tentar reintegrá-lo a este universo, num arroubo existencialista – não
raro para alguns psicanalistas menos ortodoxos – sabiamente valorizou a
sensação de desamparo do homem. Ressaltou sua capacidade de se deparar
com a realidade e que ele havia transposto a primeira, e às vezes
dificílima, etapa da construção de uma vida real.
A partir daí, juntos, analista e
analisando se lançaram na aventura de buscar um lugar no mundo, apesar
da “situação demencial da modernidade” como gostava de frisar
Heidegger. Se em algum momento você sentir que não encontra no seu
analista a figura de um cúmplice nesta jornada, existe um indício de
que a terapia não está funcionando. Num mundo em que as realizações,
algumas bem fúteis, se contrapõem à depressão e à ansiedade, gerando um
padrão psíquico melancólico na sociedade atual, a verdadeira revolução
é, justamente, transformar a sensibilidade, antes algoz, em uma janela
onde se pode vislumbrar esse SER.
As palavras do genial cineasta e
dramaturgo Domingos de Oliveira podem servir de norte para essa
relação: “a vida oscila entre o terror e a glória. Do terror já se
falou muito, e isso criou um mundo onde as glórias da vida estão
ocultas. Já foi tudo muito denunciado. É preciso denunciar que vale a
pena viver”.
 
Publicado na Revista Psique edição 68

Psicóloga Ana Amorim de Farias

CRP 06/39859-9

Compartilhe

Facebook
WhatsApp
E-mail