Sobre o Amor – Ana Amorim de Farias

“O que é o amor? Onde vai dar? Porque me deixa assim?…”


Os versos da música de Selma Reis revelam questões que se repetem entre os enamorados, interrogam-nos  sobre o fim do amor romântico, descrença no amor e  culto ao individualismo.


O ser humano quando avança visualiza tudo que era anterior como ultrapassado e limitado. Age como um adolescente que necessita desprezar valores passados para depois constatar que alguns podem ser reinventados. Esta tendência própria do humano e dos movimentos históricos é mais acentuada pela nossa cultura em que tudo é descartável, numa brevidade de tempo espantosa onde o novo logo se torna absoleto e deve ser substituído.


Observemos que o mesmo se repete nas relações e muitas pessoas tem uma visão avessa ao amor romântico. Acreditam-no estar com os dias contados e que deve ser expurgado como a um demônio. A concepção do amor romântico foi criada no início do séc. XIX, com o avanço industrial e tem obviamente limitações ao valorizar demasiadamente as relações em família e entre cônjuges em detrimento de outras relações, o que pode  favorecer uma visão de relação baseada numa simbiose e idealização. Os reflexos da concepcao do amor romântico veríamos  term varias repercussões, como exemplo “a necessidade da demanda de ter que fazer tudo juntos sempre” “viver em função um do outro e a concepção que só se é feliz quando estamos amando”. Isso pode ser bem pernicioso.
O amor romântico encontrou terreno fértil é foi “plantado” em nossas almas porque era interesse da época, agora num movimento ao contrário por outros interesses vemos  o culto ao individualismo e narcisismo  criticar a criação do ideário do amor romântico de forma tão extrema que o própria concepção de amar e formar um casal em ultima instância tem sido criticada.  

Mas seria o Amor uma invenção?  Seria invenção a  alegria de estar amando? As decepções, dores, medos e tudo que muitas vezes nos fazem querer passar longe de algo que pareceu tão convidativo. Por quê  as experiências boas, ás vezes tornam-se tormento? Por que pode parecer mais fácil lidar com um grande círculo de amigos do que com aquele que escolhemos e amamos? 
Porque as expectativas são menores. Cobramos menos dos amigos, projetamos menos nossos ideais e satisfações, levamos com menos intensidade para as amizades as mazelas da infância.



Passemos para um momento de intimidade entre duas pessoas que se amam. Estão aconchegados em um abraço terno, de repente, passam, para a agitação do desejo, transformações no corpo, prazer, intensidade, orgasmo, e uma nova quietude. È muito convidativo do viver.
O amor não deve ter “obrigações” como dar o amor que não recebemos na infância,  valorizar-nos quando nos mesmo não conseguimos fazê-lo.  Se há dores desta ordem é importante cuidar fora da relação com a ajuda de psicoterapia. 


Para a relação podemos levar anseios, esperanças, desejos possíveis de serem vividos, compartilhados, acolhidos. Podemos levar amor para recebermos amor.

Para Freud, o pai da psicanálise, teríamos duas formas de escolha de objeto amoroso. Na escolha de objeto anaclítica amo aquele que me protege ou cuida. Enquanto a escolha narcísica tem seu motor na identificação, ou seja, amo aquele que um dia fui,  aquele que sou ou que gostaria de ser. Os amores tendem mais a uma ou outra forma. A divisão aqui é didática, mas muitos amores se encontram nestas formas “puras” e, diga-se de passagem, limitadas. Se eu amo meu companheiro ou companheira pela sua função de cuidado e proteção comigo, desprezando a riqueza do seu mundo interior quando este se vê impossibilitado de exercer “sua função” deixo de amar ou meu amor entra  amo apenas por identificação, o outro não pode mudar, não há possibilidade de crescimento.

Um amor maduro é forte e intenso quando abriga a identificação e o desejo mútuo de troca de cuidados. Amo o outro por Ser quem ele é, não pelo que me faz. Recebo de bom grado o que me faz e me dou tanto mais, abarcando a possibilidade de reciprocidade. 

Há um tanto de identificação, o outro pode ser até mesmo aquele que fui, sou e gostaria de ser, num verdadeiro amálgama. Assim começa uma paixão que pode virar amor. E recorremos novamente à poética da música… O que é o amor? Onde vai dar? Parece não ter fim.

Ana Amorim de Farias, 2009 

Psicóloga e Psicanalista 
CRP 06/39859-9

Psicóloga Ana Amorim de Farias

CRP 06/39859-9

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