Spinoza, Deleuze e a Função da Tristeza na Dominação – Hugo Albuquerque

Quando
eu passo da idéia de Pedro à idéia de Paulo, eu digo que minha potência de agir
é aumentada; quando eu passo da idéia de Paulo à idéia de Pedro, eu digo que
minha potência de agir é diminuída. Isso equivale a dizer que quando eu vejo
Pedro, sou afetado de tristeza; quando eu vejo Paulo, sou afetado de alegria. E
sobre essa linha melódica de variação contínua constituída pelo afeto, Spinoza
irá determinar dois pólos, alegria-tristeza, que serão para ele as paixões
fundamentais: a tristeza será toda paixão, não importa qual, que envolva uma
diminuição de minha potência de agir, e a alegria será toda paixão envolvendo
um aumento de minha potência de agir.Isso permitirá que Spinoza, por exemplo,
realize uma abertura em direção a um problema moral e político muito
fundamental, que será sua própria maneira de estabelecer o problema político:
como acontece que as pessoas que têm o poder, não importa em que domínio,
tenham necessidade de afetar-nos de uma maneira triste? As paixões tristes
como necessárias: inspirar paixões tristes é necessário ao exercício do poder.
E Spinoza diz, no “Tratado teológico-político”, que esse é o laço profundo
entre o déspota e o sacerdote: eles têm necessidade da tristeza de seus
súditos. Aqui, vocês compreenderão com facilidade que ele não toma
“tristeza” num sentido vago, ele toma “tristeza” no sentido
rigoroso que ele soube lhe dar: a tristeza é o afeto considerado como
envolvendo a diminuição da potência de agir.
(Trecho
de uma aula de Deleuze sobre as ideias, os afetos e afeccções
em Spinoza)
Recentemente, em uma conversa por e-mail
sobre Spinoza, a minha amiga Flávia Cera – dona da
excepcional Mundo-Abrigo -,
me deu uma excelente dica sobre o pensador luso-holandês: O Webdeleuze, site
onde está publicado uma quantidade interessante de cursos que ninguém mais,
ninguém menos do que Gilles Deleuze deu sobre pensadores como Kant, Leibniz e,
claro, o próprio Spinoza,
além de manuscritos, imagens e aúdios. Ontem, estava lendo um desses
cursos, datado de Janeiro de 78
 – onde o pensador francês trata
das ideias, dos afetos e das afecções em Spinoza – e topei com esse trecho,
absolutamente genial que me provocou um estalo.
Resumindo um pouco do que se trata o texto, encontramos
que, embora Spinoza adote, a princípio, a definição clássica de ideia como um símbolo
representantivo de alguma coisa, ele afirma que as ideias, em si, são uma coisa
própria e se diferem dos seus ideados – a coisa representada -; mais do que
isso, nossa relação com o mundo não se resume às ideias que temos sobre ele,
mas também aos afetos – no sentido de sentimento mesmo – que temos sobre as
coisas que conhecemos – quando você, meu caro leitor, entra neste blog, você
não apenas tem certa ideia do que ele significa, mas também sente alguma coisa,
portanto, sua compreensão sobre ele não se limita a como você o representa
mentalmente, mas também como você o sente. Além disso, há outra espécie, que
são as afecções, grosso modo, o resultado da interferência de uma corpo sobre o
outro, mas não vou entrar nessa parte em específico.
O que me chamou a atenção mesmo foi esse parágrafo em
especial que eu transcrevi. Uma sacada de Deleuze sobre uma das muitas ideias
que Spinoza levantou no Tratado
Teológico-Político
 (mas também tem algo da Ética aí): A
dominação política tendo por fundamento a tristeza. O trecho fala por si
próprio. Spinoza, que era um intelectual profundamente atuante em seu tempo,
lutou tanto contra as superstições que fundamentavam a dominação religiosa
quanto contra o despostismo esclarecido da Casa de Orange – que era
esclarecido, mas não deixava de ser despotismo -, portanto, ele sabia muito bem
sobre o que falava.
Exemplos históricos não nos faltam. Desde a forma de
dominação realizada pelo bolchevismo na União Soviética, responsável por
arruinar a Revolução com o maior potencial emancipatório da história humana –
bem como os seus regimes derivados pelo mundo -, até a esquizofrenia do nosso
mundinho globalizado e pós-modernoso se sustentam na necessidade de ter pessoas
frustradas, apáticas e, portanto, incapazes de exercer seu potencial criativo,
estando, assim, submetidas à sujeição.
No nosso tempo, as pessoas estão submetidas a um sistema
que lhe rouba o significado na vida e as condiciona a guiarem suas ações para
um enriquecimento meramente material, elemento que lhes permitirá adquirir
coisas de todos os tipos de coisas, vendidas sob as promessas de servirem como
o bálsamo definitivo para essa lacuna nas suas existências, mas esse vazio nunca
fecha; quanto mais consumimos, mais nos sentimos frustrados por não termos
mais. Estamos tristes o tempo inteiro. Quanto mais a sociedade de consumo
avança, mais estamos consumidos enquanto os donos do poder, aqueles que
ganham o que gastam, estão incólumes. 
Para fechar o quadro, os setores que se prestam a promover
o discurso e a ação contra-hegemônica, nos mais variados espaços, não raro,
trazem em seu interior uma lógica de dominação; quantos partidos de esquerda
não se organizam numa estrutura profundamente hierarquizada, que barra a ação
criativa e criadora de seus membros de modo decisivo, repetindo internamente a
mesma lógica de dominação que dizem combater? O bolshevismo russo é um belo
exemplo disso, seja enquanto organização contra-hegemônica ou, depois, enquanto
corporação total – e totalizante – da União Soviética – bebendo na frustração
aguda de uma sociedade que não podia se expressar, onde o exercício da
política, assim como de todas as outras artes, era monopólio exclusivamente seu.
Em suma, tudo isso faz um enorme sentido. A verdadeira
ação política libertadora deve ser norteada pela alegria, pela superação do
binarismo e representar, assim, uma subversão da prática da dominação, não a
sua substituição – onde entraria em cena um leviatã escarlate, demiurgo social,
cujo lider, revolucionário e herói, estará destinado a ser ser déspota e
sumo-sacerdote do credo oficial.

Psicóloga Ana Amorim de Farias

CRP 06/39859-9

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