Transtorno Bipolar e Psicanálise

Não há evidências no campo da psiquiatria de que os desencadeamentos sejam
atribuídos às razões subjetivas. No entanto, na experiência clínica, são inúmeros os casos
em que frustrações subjetivas sevem de gatilho para deflagrar a crise. A crise de mania ou
de melancolia não pode ser reduzida a uma crise de urticária ou de gota. Ela está em íntima
relação com a demanda e com o desejo do sujeito
(…)
Se, por um lado, tanto a melancolia quanto a mania foram concebidas pela
psiquiatria clássica e pela atual como uma resposta corporal, biológica ou, quando muito,
existencial, ao campo dos afetos – portanto, uma como inibição e outra como exaltação do
humor – por outro, a psicanálise tem trabalhado com a tese de que essa clínica se apresenta
de respostas do sujeito à língua desencadeada em sua relação mortífera com o Outro. Essa
tese propõe pelo lado da mania que o sujeito superou a perda do objeto. A superação da
perda do objeto acarreta uma quota de energia disponível, não mais investida no objeto
perdido. Sendo assim, essa energia livre é utilizada para fundir o eu ideal com o ideal do
eu. Do lado da melancolia, o sujeito se depara com a face opaca da linguagem, na qual a
sombra do objeto recai sobre o eu, identificando-o com o objeto indigno de pura perda. Em
ambas as fases, há um retorno do real de maneira devastadora, índice de forclusão.
(…)
A melancolia se manifesta com tristeza profunda, limitação da vida ativa e profusão
de auto-recriminações ou autocensuras e uma invasão sufocante de culpabilidade, segundo
a psicanálise. Em contrapartida, a mania se destaca pela exaltação do humor, com
tonalidade de alegria excessiva e incontrolada. Há também uma aceleração do curso do
pensamento e desestruturação do discurso, o que levou Freud a compará-la com as formas
sociais de exaltações festivas, com as liberações das inibições, com a abolição do controle
superegóico, e do incremento das transgressões da vida social. Se na melancolia temos uma
aniquilação da vida social, na mania temos uma transgressão da mesma.
(…)
Nos dois pólos, há sempre uma vacilação, desestabilização ou mesmo anulação da
relação que sustenta a posição de sujeito ao objeto na fantasia, em suas diferentes versões
da existência. Aliás, na melancolia, o sentimento de vazio e de perda de não mais ser
querido, de perder qualquer outro objeto de valor e de perder o ideal, leva o sujeito a se
identificar, com a face opaca do objeto. Essa identificação vai custar ao sujeito o
desprendimento do laço libidinal dos objetos e o retorno da libido para o eu que se dará sob
a modalidade do imperativo de culpa, auto-acusações e desinteresse por qualquer projeto da
existência. O tempo pára e o sujeito se petrifica num delírio de indignidade, na qual há um
esmaecimento do afeto para com a família, amigos e trabalho.
de Campos, Sérgio. “CONSIDERAÇÕES ACERCA DO TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR.”

Psicóloga Ana Amorim de Farias

CRP 06/39859-9

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